Segundo o Relatório sobre Igualdade de Gênero da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) de 2012, há um abismo de desigualdade entre os sexos nas áreas de ciência e tecnologia. Apesar de a participação feminina ser maioria nos cursos de graduação, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), as mulheres ainda são minoria no campo das ciências exatas. Pensando em como incentivar jovens estudantes a se interessarem por essas áreas, predominantemente masculinas, alunas e professoras dos cursos de Engenharia e Tecnologia da Informação (TI) da Universidade Federal Fluminense criaram grupos que fomentam a participação feminina na ciência e tecnologia e na ocupação de cargos de liderança.
Um deles é o Include Meninas, projeto de extensão da Proex criado no começo de 2016 por duas professoras do Instituto de Computação (IC-UFF) com o objetivo de realizar eventos e atividades relacionadas à diversidade de gênero na área de Tecnologia da Informação (TI). Outro grupo é o O IEEE WIE UFF, que surgiu no final de 2015, visando formar uma comunidade acadêmica forte e participativa de mulheres e homens, igualmente capacitados, frente às entidades acadêmicas, ao mercado de trabalho e à sociedade.
Include Meninas
O Include Meninas tem como principal objetivo aproximar as alunas do ensino médio e fundamental à UFF, incentivá-las a seguir carreira na área de TI e empoderar as que já estão na área. O projeto faz parte do programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), que atualmente está sob a coordenação dos professores Cristiano Maciel (UFMT) e Silvia Amélia Bim (UTFPR). Ele possui algumas filiais regionais, como o Meninas Digitais Regional Sul, Regional Mato Grosso, o Emili@as e o Cunhatã Digital. O Include Meninas e o Digital Girls in Rio (UNIRio) são os únicos representantes no estado do Rio de Janeiro.
O projeto começou em 2016 com apenas quatro alunas voluntárias. Já em 2017, a equipe do Include conta com cinco discentes que atuam efetivamente, trabalhando na elaboração e execução das atividades. Em todas as ações oferecidas pelo projeto, além de uma expressiva participação das estudantes de ambos os cursos – Ciência da Computação e Sistema de Informação – há também por parte delas um crescente engajamento em ações voluntárias. O público-alvo do Include Meninas é de estudantes dos ensinos fundamental e médio de Niterói e alunas matriculadas nos cursos do Instituto de Computação da UFF.
Como afirma uma das professoras e coordenadoras do projeto, Luciana Salgado, o Include Meninas pretende despertar o interesse das jovens dos ensinos fundamental e médio para a área tecnológica e apoiar a permanência e o desenvolvimento das alunas da graduação. “A diminuição da inclusão feminina na área de TI é um problema grave não só no Brasil, mas no mundo todo. O curso de Ciência da Computação da UFF, por exemplo, existe desde 1985 e possui atualmente 520 alunos matriculados, oferecendo 140 vagas anuais. Dos mais de 3000 estudantes que já passaram pelo nosso instituto, somente 16% eram mulheres. Além disso, esse número vem diminuindo a cada ano, chegando a valores alarmantes como a inscrição de somente uma menina em 2008”, explica.
As palestras promovidas pelo grupo são abertas a todos os interessados, porém ministradas, exclusivamente, por profissionais do sexo feminino, com o intuito de garantir exemplos de profissionais bem-sucedidas em suas áreas de atuação. No entanto, fora da universidade, o foco é sempre nas meninas, na realização de cursos e aulas que atraiam um número maior de alunas para os cursos de tecnologia da informação. Para a professora e também coordenadora do Include Meninas, Karina Mochetti, o objetivo principal da iniciativa é atrair garotas para a área de TI, mas também são realizados eventos em que os meninos são bem-vindos. “Fazemos uma gincana de acolhimento todo período e abrimos a discussão a todos os alunos. É importante que os rapazes possam escutar o que as calouras têm a dizer para que eles contribuam para melhorar o ambiente das alunas já inscritas para cursar a graduação”, ressalta.
Segundo Luciana Salgado, a baixa participação feminina em TI é uma questão preocupante, já que a diversidade em qualquer ambiente profissional é de importância vital para sua evolução. Ela explica que pesquisas recentes confirmam a participação minoritária das mulheres nos cargos de liderança e que não há indícios de mudança nessa realidade. “Mulheres e homens estudam, se esforçam e trabalham muito e as oportunidades de acesso a lugares de liderança deveriam ser iguais, pois ambos têm competência e potencial para serem líderes. A diversidade de gênero nos altos cargos gerenciais certamente trará benefícios às organizações, como maior representatividade às decisões, respeito à capacidade feminina e a inclusão de novos pontos de vista e habilidades”, analisa.
Entre as ações para assegurar a presença feminina na área de TI, há duas frentes principais. Uma tem por objetivo atrair mais alunas da educação básica para este universo, oferecendo cursos e aulas dadas a colégios da região, ensinando pensamento computacional e programação, e mostrando áreas mais específicas como Inteligência Artificial. A segunda tem como propósito empoderar as meninas já inscritas nos cursos do IC-UFF, em que se realizam palestras, visitas a empresas e o acolhimento de calouros, mostrando a situação desigual já nos primeiros dias do curso e tentando deixar o ambiente mais aconchegante para as garotas. “Elas estão mais confiantes e mais confortáveis em dizer o que as incomoda. Ao mesmo tempo, os alunos também estão preocupados em manter um ambiente menos hostil para elas”, justifica Karina.
O projeto já conta com dois artigos publicados e apresentados no Women in Information Technology (WIT), iniciativa da SBC para discutir os assuntos relacionados a questões de gênero e TI. Em julho será realizado um congresso em São Paulo e três alunas viajarão para apresentá-lo. Além disso, alguns trabalhos de conclusão de curso estão em andamento junto ao Include. “Estamos aproximando alunas da UFF e da educação básica a pesquisadoras e profissionais da área. Aos poucos pretendemos diminuir esse estereótipo de que computação é ‘coisa de menino’ apenas”, conclui Luciana.
WIE UFF
O Woman in Engineering (WIE UFF) surgiu em fevereiro de 2016 como grupo de afinidade do Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), uma organização internacional e profissional sem fins lucrativos que começou com engenheiros eletricistas e hoje abrange as demais áreas da engenharia. Os grupos de afinidade, como o WIE e o Young Professionals (para engenheiros recém-formados) realizam práticas de cunho humanitário, que utilizam a tecnologia disponível e desenvolvida nos mais variados ramos da ciência para ajudar as pessoas.
O IEEE, criado em 1963 nos Estados Unidos, está atualmente em 160 países e forma uma comunidade com 415.000 membros. Na UFF, a iniciativa conta com 26 integrantes, sendo 22 mulheres e quatro homens, e em sua gestão participam apenas alunos da universidade. Entretanto, são aceitos membros voluntários de qualquer outra instituição, não necessariamente da graduação. O grupo atua principalmente nos cursos de engenharia química, agrícola, ambiental, elétrica e civil, além dos demais cursos que promove a produção científica e tecnológica.
O WIE UFF é uma organização profissional mundial com a missão de dedicar seus projetos e ações ao avanço da tecnologia em benefício da humanidade, reforçando a igualdade de gênero, o empoderamento feminino e rompendo paradigmas. A presidenta do WIE UFF e aluna do curso de engenharia agrícola e ambiental, Thaís Silva, explica que as protagonistas são mulheres, no entanto, também há a presença de homens, dependendo do ramo. “Vivemos em uma estrutura em que esses homens são privilegiados. Romper com o patriarcado é necessário, mas acreditamos na solidariedade deles às mulheres e que eles podem somar na construção de uma nova consciência política e no combate ao sexismo na ciência”, corrobora Thaís.
Para Thaís, as características de gênero que frequentemente são atribuídas às mulheres, como cuidado e fragilidade, as distanciam da carreira científica. “Nosso grupo tem como missão superar esses estereótipos, afirmando a equidade de gênero, engajando e nos inspirando a estarmos em todos os espaços”, defende.
Para assegurar a presença feminina nas áreas tecnológicas e científicas, Thaís afirma que é importante reconhecer o trabalho das pesquisadoras, pois elas inspiram futuras gerações. Segundo a presidenta, não questionar a ausência da mulher na produção de conhecimento científico faz com que a tecnologia não alcance o público feminino como deveria e desigualdades sociais também influenciam na aquisição do conhecimento. “Estamos cada vez mais nas sala de aula, sim, mas ainda temos que conquistar as mesmas oportunidades no mercado de trabalho, remuneração salarial, equidade de gênero e raça. Desde o princípio, nós, mulheres, lutamos para ocupar esses espaços, o problema é que somos invisibilizadas”, reforça.
Segundo dados de 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres representam 51,5% da população no Brasil, no entanto, constituem uma minoria quando se trata de igualdade de direitos. Thaís explica que a participação feminina em cargos de liderança, seja na ciência, na política, em empresas ou na pesquisa, é pouco representativa. Essa desigualdade se dá pelas barreiras construídas socialmente e é necessário reverter esse quadro, principalmente no mundo corporativo, que é majoritariamente masculino. “Somos tão capacitadas quanto homens para assumir esses cargos, isso traz um olhar atento à nossa condição e transmite um legado para todos”, argumenta.
Há dois projetos do WIE para assegurar a presença feminina nas áreas tecnológicas e científicas. O IEEE Star, cuja finalidade é apresentar as carreiras científicas para alunos e alunas e dar uma nova perspectiva de vida para as meninas, e o evento WIE Day, em que o grupo recebe a visita das profissionais que ascenderam nas áreas de ciência, tecnologia e empreendedorismo, com reconhecimento e valorização dentro e fora do país. Além disso, o grupo promove, junto ao IEEE, viagens, visitas técnicas, cursos, parcerias com startups e um encontro da Reunião Nacional dos Ramos Estudantis – IEEE (RNR). “Essa motivação colabora na permanência das alunas na universidade e potencializa suas carreiras. Dentro do WIE, asseguramos o lugar de protagonismo dessas mulheres em todas as nossas atividades, o que as influenciam em todo seu cotidiano, somos agentes transformadoras”, explica Thaís.
A cor do grupo é o lilás, pois é a síntese entre o azul e o rosa, e historicamente é usado para representar a luta das mulheres por igualdade. Segundo Thaís, o WIE UFF é recente, comparado aos ramos de outras universidades, mas a cada evento é possível perceber seu crescimento, com grande participação da comunidade acadêmica. Atualmente, seu principal objetivo é sua consolidação como referência na educação científica e de gênero. “Acreditamos que nossas ações fortalecem a vida acadêmica das mulheres, possibilitam o estabelecimento de redes de contato, fomentam pesquisas e nos engajam. Somos o ponto de apoio e encorajamento da ideia de que os espaços na ciência e tecnologia são também lugares de atuação feminina”, conclui.
Para conhecer um pouco mais sobre os projetos e enviar sugestões, basta acessar as fanpages do Include Meninas e do WIE UFF no Facebook.
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